sábado, 27 de março de 2010

Sucesso profissional, fracasso familiar?

 


Estamos inseridos em uma cultura de consumo e status, na qual o que prevalece muitas vezes é a valorização do ter em detrimento do ser. Você passa a ser uma pessoa reconhecida não pelas suas qualidades e virtudes, mas sim, pelo que você possui. Logo, nesta demanda atual, onde o status, fama e dinheiro, têm sido bem mais importante, muitas famílias estão indo à bancarrota. Este artigo tem como escopo avaliar de forma crítica as regras estabelecidas pela sociedade e estabelecer como contraponto o ensino de Jesus em Mateus 6: 25-34.

Existe uma série americana chamada Law & Order: Special Victims Unit, cujos personagens principais são: detetive Elliot Stabler interpretado pelo ator Christopher Meloni e sua parceira detetive Olivia Benson interpretada pela atriz Mariska Hargitay.

Ambos são profissionais bem sucedidos, já solucionaram muitos casos com grau de dificuldades enormes. No entanto, não obstante ao sucesso profissional adquirido, o detetive Elliot Stabler não pode asseverar o mesmo com relação a sua família. Já se divorciou da esposa que vivia cobrando dele tempo para a família e possui um relacionamento conturbado com os seus filhos. Certa feita ele disse para Olivia: “Passo mais tempo com você do que com a minha família”.

Essas palavras proferidas pelo detetive Stabler tem sido uma realidade na vida de muitas famílias, cujos cônjuges, muitas vezes passam mais tempo com amigos de trabalho, faculdade, afazeres diversos, e quando percebem o tempo passou, os filhos cresceram (muitos pais em virtude das suas ocupações nem sabem o que os filhos andam fazendo).

Denise Santos 38 anos, presidente da BenQ Móbile, concedeu uma entrevista a revista negócios e disse o seguinte: “Nos primeiros anos de trabalho, a entrega foi importante, mas virou escravidão. Não conseguia dormir, passei a tomar remédios. No final, percebi que nada disso valeu a pena. Fui casada por sete anos e posso dizer que o excesso de trabalho foi uma das causas do fim.”

Tudo na vida é questão de escolha, não estou dizendo que você ter dinheiro, carro, status são coisas ruins, pelo contrário. Contudo, essas coisas podem ser nocivas ao relacionamento familiar a partir do momento que atribuímos mais valor a elas do que ao próprio relacionamento com a esposa, esposo e filhos.

A busca desenfreada pelo sucesso tem gerado em muitas pessoas ansiedade e doença. Dados do Instituto Academia de Inteligência diz o seguinte: 82% das pessoas em SP estão com dois ou mais sintomas psíquicos e psicossomáticos. Mais de três milhões de pessoas estão com dez ou mais sintomas.

Jesus, ao se reunir com as multidões, ensina-lhes coisas profundas sobre a vida e de como a mesma deve ser vivida. Ele diz palavras inefáveis para a multidão, ensinando-lhes o equilíbrio (Cf. Mt 6:25-34). Ao analisar a ansiedade que brota no coração humano, Ele preconiza algumas coisas para a multidão e que serve para nós também.

• Mantenha um estilo de vida simples (Cf. Mt 6:25a)

• Faça uma reavaliação das suas prioridades e valores (Cf. Mt 6:25b)

• Olhe para o cuidado de Deus e não para as situações adversas (Cf. Mt 6:26)

• Não se engane, por mais que você pense a vida não está em nossas mãos (Cf. Mt 6:27)

• Reserve espaço na sua vida para ter comunhão com Deus (Cf. Mt 6:33)

Gostaria de concluir este artigo deixando algumas perguntas para nossa reflexão:

a. O que tem sido mais importante para você neste momento: o seu trabalho, estudo ou sua família?

b. Como você pode buscar o equilíbrio entre vida profissional e familiar?

c. Quais as coisas que você precisa rever para que o seu relacionamento familiar não sofra?

d. Como você pode aplicar os ensinos de Jesus em sua vida?

e. Na sua vida existe espaço para Deus ou a demanda da mesma não tem deixado você ter tempo para pensar nisso?

Lembre-se: “Nenhum sucesso na vida compensa o fracasso no lar" (David O. McCay)

Que Deus nos ajude e nos livre dos modelos impostos pela sociedade e, assim, sejamos sábios em nossas escolhas.
Pr. Fernando Gonçalves Dias

terça-feira, 23 de março de 2010

Ser humano e a natureza – Uma relação conturbada (Parte II)

Podemos observar na primeira parte deste artigo como a relação humana com a comunidade de vida está conturbada e hoje, mais do que nunca, as palavras de Leonardo Boff se fazem reais em meio a esta crise que estamos vivendo. Diz ele: “A casa comum (ethos em grego) precisa de uma ética que mantenha a família humana integrada, afaste os riscos de uma eventual devastação da vida e garanta para ambas um futuro de esperança.” Este artigo tem como proposta, à luz da teologia, trazer um arcabouço de como deve ser a relação do ser humano criado à imagem de Deus com a natureza.

E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom (...) (Gn. 1.31)
E tomou o SENHOR Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar.(Gn.2.15).

Ao criar o homem e a mulher, Deus os vocacionou para serem cooperados na manutenção e conservação da vida em todas as suas esferas. Logo, cabe a nós seres criados por Deus, a responsabilidade de cuidarmos daquilo que nos foi entregue.

Os abusos vistos pelos meios de comunicação nada tem haver com o cuidado, com o zelo e com a preservação da vida, pelo contrário, tem sido marca registrada deste ser que se desconectou do seu criador. Sendo assim, o que prevalece é a ganância, resultado de um ser humano afastado de Deus e de seus ditames.

Com base em Gn 1 e 2 podemos alinhavar alguns princípios de como deve ser a relação humana com a natureza.

· Homem e mulher devem desfrutar daquilo que a terra produz, porém, sem destruí-la.
· Assim como o ser humano descansa após trabalhar para recuperar as suas energias, deve permitir que a natureza com os seus recursos alcancem em tempo hábil recuperação depois de ser desfrutada pelo mesmo. Na Amazônia, por exemplo, árvores são derrubadas e o ser humano com sua ganância não permite tempo hábil de recuperação do local devastado.
· Homem e mulher devem saber que existem limites estabelecidos no que tange a natureza. Logo, quando o ser humano ultrapassa o limite de respeito, os resultados são catastróficos.

A cultura exploratória da nossa sociedade não passa nem perto daquilo que foi preconizado por Deus com relação à interação do ser humano com a sua criação. Se cada um de nós fizer a nossa parte, o sistema planetário ficará melhor e as condições de vida melhorarão.

Mas enquanto a humanidade viver abusando dos recursos fornecidos pelo planeta, as coisas irão de mal a pior. Enquanto o ser humano buscar soluções apenas para as mazelas humanas pensando que apenas eles são seres vivos, deixando de incluir todas as formas de vida, as outras formas de vida morrerão, e com isto, nós pagaremos o preço como já temos percebido.

Como bem avaliou Boff: “Como a nossa vida é vida com outras vidas, a ética do respeito à vida deverá ser sempre um com-viver e um com-sofrer com os outros.” Logo, continua ele: “Tu deves viver convivendo e conservando a vida, este é o maior dos mandamentos na sua forma mais elementar.”

Ou o ser humano muda e volta para o seu criador e se relaciona com a natureza a partir dos paradigmas deixados por Deus, ou não teremos futuro, tendo em vista as devastações e conturbações impostas ao planeta por força da ganância humana.

Pr. Fernando Gonçalves Dias



sexta-feira, 5 de março de 2010

Ser humano e a natureza – Uma relação conturbada (Parte I)

Estamos há algum tempo presenciando um descontrole na natureza e essa situação tem feito suas vítimas. Ora ouvimos falar de tsunami, ora em terremoto, ora em ciclone e recentemente tivemos a notícia de um iceberg que se desprendeu do Glaciar Mertz (Antártida), cujo efeito pode ser devastador. O que esta acontecendo com a natureza? Qual a parcela de responsabilidade do ser humano neste processo? Como tem sido a convivência do ser humano com a natureza? Este artigo tem como escopo avaliar esses desencontros e questionamentos à luz da teologia, avaliando a relação do homem com a natureza.

E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom (...) (Gn. 1.31)
E tomou o SENHOR Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar.(Gn.2.15).

O retrato descrito em Gênesis 1.31 é de perfeita harmonia entre natureza e ser humano. Toda espécie de vida criada por Deus era muito boa, havia respeito, convivência sem espoliações e, é neste cenário harmônico que Deus insere o ser humano para que ele juntamente com o seu criador cuide e preserve com todo zelo da criação (Cf. Gn. 2.15). As diversidades e biodiversidades estavam em equilíbrio, esta é a mensagem de Gênesis 1 e 2. Contudo, ao fixar os olhos para os dias atuais o que se percebe é uma inteira desarmonia entre natureza e ser humano. O que aconteceu para que isso ocorresse?

A Bíblia vai asseverar que houve uma ruptura da criatura com o seu criador, ou seja, o ser humano que foi criado para junto com Deus cooperar na manutenção desta harmonia resolveu ser autônomo e dizer não para esta parceria (Cf. Gn 3.1-13). Os efeitos dessa decisão tem sido devastadores até os dias hodiernos.

A mensagem da Carta da Terra diz o seguinte: “Os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, esgotamento dos recursos e uma massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo arruinadas.[...] As bases da segurança global estão ameaçadas. Essas tendências são perigosas, mas não inevitáveis”.

Seguindo pelo mesmo viés encontra-se o pesquisador Edward Wilson, que chegou a seguinte conclusão: “O ser humano transformou o Éden num matadouro e o paraíso ocupado num paraíso perdido. Ele, até hoje, vem desempenhando o papel de um assassino planetário, preocupado apenas com sua própria sobrevivência a curto prazo; já sacrificamos boa parte da biosfera; a ética da conservação, na forma de tabu, de totemismo ou de ciência, quase sempre chegou tarde demais.”

Este ser que foi criado à imagem de Deus age independente do seu criador. Enquanto vivia em harmonia com Deus, sob os ditames dEle, o ser humano tinha uma relação de cuidado, respeito e zelo para com a natureza. O ser humano vivia uma relação de amor com seu criador e isso refletia em todas as esferas, inclusive com a natureza. A partir do momento que ele se tornou “lei para si mesmo” as coisas degringolaram, isto é, arruinaram-se.

Ter consciência de que viemos de Deus e que temos a responsabilidade de cuidar daquilo que Ele nos confiou, nos torna responsáveis no cuidado para com a natureza e todo o planeta Terra.

Convivência (habitar ou partilhar o mesmo espaço) implica em saber respeitar as diferenças, cuidar, viver responsavelmente. Entretanto, o ser humano que vive a partir de seus próprios ditames tem tornado a vida cada vez mais difícil, com seu egoísmo e ganância tem acabado com toda a riqueza planetária. Ele com sua política cada vez maior de exploração, tem tornado de fato o paraíso harmônico em paraíso desarmônico.

O ser humano tem vivido de maneira antropocêntrica, respeitando apenas a ele mesmo (se é que podemos dizer isto). Nessa dinâmica exploratória e capitalista não pode existir convivência, sendo que, neste partilhar do mesmo espaço inexiste respeito e sim expropriações. Como bem disse o filósofo Leonardo Boff: “O ser humano não existe sem a natureza, sem a comunidade de vida, sem sua inserção no universo com todas as energias que o penetram e também nos perpassam.”

Precisamos inaugurar uma nova convivência com a natureza que infelizmente desde a era industrial até os dias atuais, tem sido explorada sem o menor respeito. É fato que as indústrias e os conhecimentos adquiridos pela humanidade nos favoreceram em muitas coisas. Contudo, tais favorecimentos têm tido até hoje um preço muito alto no que diz respeito ao meio ambiente.

O que podemos aquilatar é que este modelo exploratório não nos garantirá, com toda certeza, um futuro melhor, pelo contrário, ele destrói a natureza e a vida entre os povos.


Pr. Fernando Gonçalves Dias



segunda-feira, 1 de março de 2010

Rubião e a Sociedade Contemporânea.

Machado de Assis escreveu um livro chamado Quincas Borba, no qual percebe-se a visão do autor, cuja percepção da vida era – pessimista e niilista. Nesta obra existe um personagem chamado Rubião, mineiro de Barbacena, que herda todos os bens do Quincas Borba e é deste personagem que extrair-se-á ensinamentos para reflexão.

Quincas Borba ensinou uma “doutrina” para Rubião na qual a celebre frase – Ao vencedor as batatas! ficou cravada na mente deste mineiro. Depois de muito ser explorado e espoliado em sua vida, Rubião adoeceu. Ele, mesmo doente, faz uma análise da vida e chega a seguinte conclusão:

Ao vencedor , as batatas! – bradava Rubião aos curiosos.
Ao vencedor , as batatas! – concluiu rindo.
Poucos dias depois morreu...Não morreu súdito nem vencido.

Essa frase contundente nos lábios de Rubião trás em seu bojo a vitória do mais forte sobre o mais fraco e reflete bem o pensamento contemporâneo - manda quem pode, obedece quem tem juízo. No entanto, gostaria de refletir com você sobre algumas coisas que eu aprendi com este personagem e o real interesse das pessoas que o rodeava. Pelo menos três coisas ficaram patentes na vida de Rubião e dos seus pseudos amigos, a saber:

• A banalização da vida – Enquanto Rubião possuía riquezas, era tratado com fidalguia, principalmente pelo esposo de Sofia, Cristiano. Quando ele adoeceu e ficou pobre devido as explorações, perdeu seus “amigos”. Na nossa sociedade parece que as coisas funcionam da mesma maneira, ou seja, você é benquisto dependendo do que você possui. É a valorização do ter em detrimento do ser e assim o ser humano vai banalizando a vida. Quanto a esta questão cabe bem a reflexão feita pelo Jornalista Leon Frejda Szklarowsky:
"Quando a vida humana, bem mais precioso entre todos os demais, nada mais vale, é sinal de que o homem deve parar e fazer profunda reflexão, porque chegou ao fundo do abismo e há que se repensar o sentido de todas as coisas!”


• A fragmentação dos valores – Rubião apaixonou-se por Sofia e chegou a se declarar para a moça que revelou para seu esposo o que ele fizera (ela não era a santa que queria passar para seu esposo). Cristiano não se importou uma vez que ele tinha outras pretensões com Rubião, os interesses pessoais estavam acima da moral e dos valores. Parece que falar de valores em uma sociedade, individualista, narcisista, hedonista é utopia. Vivemos em uma sociedade na qual a individualidade é que vale, se algo me dá prazer isto basta, se prejudicar o próximo não é problema meu. Vivemos em uma sociedade permissiva, onde o lema tem sido – cada um pensa o que quer e faz o que quer desde que respeite o espaço alheio. O resultado dessa equação é a ausência cada vez maior de valores que venham corroborar com a juventude e a sociedade como um todo. Tem faltado em nossa sociedade significado e propósito de vida e conseqüentemente mais e mais os valores estão sendo fragmentados.

• O triunfo da maldade – Essa é a visão de Quincas Borba e Rubião, o mal sempre vence e tudo que acontece na vida são sucessões de coisas que já aconteceram e que tornam a acontecer (visão cíclica) e quando olhamos para a sociedade e as mazelas que nos cercam somos muitas vezes tentados a pensar como os personagens. Contudo, cai bem as palavras do historiador Jean Delumeau (apud Ed René) que diz o seguinte:


"O mal certamente existe. Mas o bem também. O belo existe. A ternura existe. Todos podem constatar isso cotidianamente. Não fazer entrar a realidade do bem em uma análise da condição humana é cometer uma subtração ilegítima (...) Com os meios modernos de destruição pode-se hoje aniquilar em dois minutos uma cidade cuja construção e extensão haviam exigido dois mil anos de esforços. Contrariamente ao mal, o bem não faz barulho. Essa 'discrição' faz com que não o levemos suficientemente em consideração em nosso juízo sobre o mundo. 'Ouve-se o estrondo da árvore que é derrubada, mas não se ouve a floresta que cresce', diz o provérbio. A floresta que cresce silenciosamente é o bem que é realizado a cada dia na Terra, em torno de nós e também - por que não? - por nós (...) Suponha que, de repente, o voluntariado deixasse de existir, que subitamente ninguém mais viesse a ajudar ninguém... com isso a existência cotidiana ficaria paralisada e a vida se tornaria insustentável. A humilde generosidade de cada dia está na própria base do tecido social. Mas ela não atrai a atenção das mídias. Estamos tão acostumados com ela que não a percebemos. Em compensação, seu desaparecimento repentino criaria um vazio impossível de ser preenchido."


Diante do quadro sombrio retratado na obra Machadiana e respaldado pelas cenas vistas na sociedade como um todo, restam-nos algumas perguntas: Existe ainda um modo de pensar, um padrão de comportamento, um momento nas relações capaz de constituir um terreno comum sobre o qual possamos fundar uma confiança recíproca? Será que os valores estão tão desfragmentados que os outros serão apenas uma ameaça ou, pelo contrário, sujeitos com os quais temos o dever de conviver e cooperar? O que prevalece, o medo ou a confiança.
Para tais perguntas creio que somente à luz de Deus, as realidades humanas adquirem seu significado profundo e completo.

Pr. Fernando Gonçalves Dias